24 de ago. de 2009

Argentina: Anos 2000













Nicola Constantino, A Ceia

O Centro Cultural Banco do Brasil exibiu, em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 2009, a mostra Argentina Hoy com obras de 33 artistas nas mais diferentes plataformas das artes plásticas: escultura, serigrafia, instalação, fotografia e pintura. Primeira mostra no exterior completamente dedicada às artes plásticas contemporâneas da Argentina, ela apresentou um panorama abrangente, reunindo trabalhos inéditos no Brasil, de artistas como Jorge Macchi, Marina De Caro e Leandro Erlich, consagrados internacionalmente. Com obras produzidas a partir do ano 2000, a mostra ficou no CCBB São Paulo de 6 de julho a 30 de agosto, seguindo para o CCBB Rio, onde foi exibida de 14 de setembro a 22 de novembro.
Ela teve curadoria binacional: o brasileiro Franklin Espath Pedroso, participante da seleção de galerias da ArteBA, Feira de Buenos Aires, e a argentina Adriana Rosenberg, diretora da Fundação Proa em Buenos Aires, responsável pela participação argentina em bienais de Veneza, São Paulo e Mercosul.
As narrativas apresentadas passeiam livremente entre o particular e o universal, em simulações possíveis somente no campo da arte. Postes de iluminação eclipsados. Uma mulher que carrega uma cabeça de porco sem esforço, em uma naturalidade tão falsa quanto seus trajes de uma Holanda barroca a qual não pertence. Outra mulher, que não chora - nem esboça expressão alguma - pelo leite derramado do copo ao seu lado, apenas posa para o retrato.

















Marcos Lopez, Jazmin

A provocação política também esteve presente em boa parte das obras, ora recriando cenas de conflitos recentes - como na obra de Tomás Espina, que “pinta” de pólvora queimada uma tela de 10 metros de comprimento -, ora dando ares de revolução para fotos de protestos rurais, caso de Leonel Luna.
No lugar da mancha gráfica, Tomás Espina usa buracos para ilustrar uma cena de batalha. Ele desenha com pólvora sobre tela e faz explodir os traços, deixando impressos só os rastros de fogo para contar a história. Num exercício que lembra a arte povera, movimento italiano dos anos 70, e sua precariedade material, Espina esconde o assunto do quadro, preferindo uma exacerbação do imediatismo à nitidez, ou o barulho do disparo ao alvo da bala.
Junto a este caráter de contestação estão as referências à história da arte e as paródias de Leonardo Da Vinci, que aparecem tanto em uma bizarra citação de A Última Ceia, por Nicola Costantino – em que sinistramente no lugar da comida, um lânguido corpo nu feminino está sobre a mesa no lugar da comida - tanto na versão de Dama com Arminho, de Constanza Piaggio.




















Constanza Piaggio e RES, A Dama (La Dama), fotografia, 2005

A Dama (2005), de RES e Constanza Piaggio, “recria” a famosa pintura renascentista de Leonardo da Vinci, Dama com Arminho, onde a mulher exibia a elegância da época, acariciando o animal, em pleno estado de paz. Porém, no lugar do arminho, uma cabeça de porco; na mão, um sexto dedo; na expressão, um olhar tenso, como a desafiar o espectador. A Ceia, de Nicola Constantino, em um primeiro olhar parece apenas ser a imagem de uma grande mesa sobre a qual está uma enorme bandeja com restos de um jantar, tendo ao fundo uma porta envidraçada, por onde se vislumbra a luminosidade da noite que se aproxima. Aos poucos, no entanto, “a foto se abre” exibindo à mesa, sobre a enorme bandeja, o corpo nu da própria artista.
Reunindo diferentes linguagens – pintura, escultura, vídeo, fotografia – a exposição abordou a presença da cidade no olhar dos artistas, em um universo cheio de magia e referência à história da arte, muito presente na Argentina através da representação figurativa. Dois exemplos emblemáticos foram O Espinário, de Sandro Pereira, escultura feita com goma, espuma e alfinetes, uma releitura das clássicas esculturas gregas.




















O Espinário, Sandro Pereira

A herança da corrente pictórica figurativa argentina também está presente nas obras de jovens artistas como Martiana López e Max Gomes Canle.
A cidade como inspiração se manifesta claramente nas obras de Esteban Pastorino Diáz, que, através da lente fotográfica, distorce o presente transformando a realidade em falsas "maquetes”; e Dino Bruzzone, que remete ao universo irreal cenas de manifestações populares argentinas, como as do futebol. Pablo Siquier encontra na arquitetura a inspiração para as linhas de seus plotters gigantes.
Jorge Macchi fez um filme que começa com os créditos ao contrário, acompanhado de uma orquestra. Segundo o artista, os créditos substituem o enredo. Observou que quando sobem os créditos nos filmes, para as pessoas, o enredo foi resolvido – elas se levantam e vão embora.














Flavia Da Rin, Selva, Díptico

Fragmentos da memória fantástica e referências de contos de fadas estão presentes nos trabalhos de Flavia Da Rin, que reproduz o cenário de uma selva, com personagens distorcidos e animais - Nina com Perro -, assim como na obra produzida in situ de Marina De Caro, que induz o espectador a se introduzir em um mundo de cores e lembranças de infância. A artista fez uma instalação de tecido em tons pastéis com motivos infantis pelo chão e figuras humanas costurados em cima de uma mesa, que, segundo ela, remetem a uma ideia de passar por lugares e ter sempre uma memória desse momento.
Na casa de espelhos de Leandro Erlich, quem olha pela janela vê outro reflexo no lugar do próprio rosto. O artista construiu dentro do museu uma casa de paredes espelhadas e arma um jogo para distorcer os reflexos. "A arquitetura é o eixo da obra até certo ponto", explicou. "Mas o que me interessa é a construção despojada de suas funções".
As fotos de Ernesto Ballesteros, que cobre com pontos negros os focos de luz de Puerto Madero e outras zonas de Buenos Aires, são uma tentativa de desviar a atenção para ausências no espaço e desfazer ao mesmo tempo o espetáculo da especulação imobiliária.
















Ernesto Ballesteros, fontes de luz cobertas

Também buscam força nos resíduos da ação as fotos de Marcos López. Num cenário kitsch - cor-de-rosa e decorado com pinturas de cenas rurais e marítimas - um casal de homens em pijamas de cetim posa de mãos dadas. Lá atrás, um pastor alemão vigia a cena. "Passo longe da ideia de instante decisivo das fotos de Henri Cartier-Bresson e monto toda a cena", explicou. "Minhas fotos se alimentam de um imaginário vital e selvagem". Importa menos o retratado e mais as circunstâncias. Nessa narrativa interrompida ou sugerida, não sobra espaço para o real, e a fotografia digital, suporte que desponta agora na cena argentina, surge como forte estratégia de construção.















Marcos López, Pink Room, fotografia

Também se destacaram as sedas pintadas com canetas esferográficas de Matías Duville e Esteban Pastorino Diáz, que distorce o presente em fotografias que fazem paisagens parecerem maquetes.













Esteban Pastorino Diáz

A obra O catador de papéis, do artista Estanislao Florido, estimula um pensamento crítico dos tempos atuais através do humor. O vídeo é a trajetória de um sujeito catador de papel, transformada na linguagem de videogame, que tenta driblar adversidades urbanas.
A instalação Notas sobre el tiempo, de Silva Rivas, nos invade de um vermelho represado em vídeos simultâneos, onde passos numa escada não chegam a lugar algum e a água do mar não tem para onde avançar.
O filme O Artista completou a exposição. Ele foi exibido na noite da abertura, e faz uma análise sobre o mundo da arte, seus jogadores e a tênue linha entre o que é arte e o que não é. Inédito no Brasil, foi produzido por León Ferrari, último grande prêmio de Veneza, Fernando Sokolowicz e a Universidade Nacional de Três de Fevereiro.












Bullfight (2001), impressão sobre tela, de Leonel Luna. O autorretrato faz referência a A Corrida de Mazeppa, gravura de Auguste Guinnard feita em 1856

Os artistas:

Ana Gallardo, Ananké Asseff, Ariel Cusnir, Constanza Piaggio, Dino Bruzzone, Ernesto Ballesteros, Estanislao Florido, Esteban Pastorino, Fabiana Barreda, Flavia Da Rin, Gian Paolo Minelli, Graciela Sacco, Jorge Macchi (com Edgardo Rudnitzky), Leandro Tartaglia, Leandro Erlich, Leila Tschopp, Leonel Luna, Luciana Lamothe, Marina De Caro; Matias Duville, Marcos López, Mariana López, Mariano Molina, Mariano Sardón; Max Gómez Canle; Miguel Harte, Nicola Costantino, Pablo Siquier, RES, Sandro Pereira, Silvia Rivas, Tomás Espina e Tomás Saraceno.






















Leandro Tartaglia, Estadio Ferro, 2009

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